Artes à Escola despertou jovens para ler Saramago e conhecer a história dos antifascistas portugueses
Atualizado em 29/11/2021O projecto educativo municipal “Artes à Escola” levou, no dia 24 de Novembro, ao Auditório da Escola Secundária Severim de Faria (ESSF) o espectáculo “Lado B Levantei-me do Chão”, inspirado na obra de José Saramago https://www.josesaramago.org
Trata-se de uma versão reduzida e simplificada estética e tecnicamente do espectáculo “Levantei-me do Chão”, estreado em 2021, criado e interpretado por Carlos Marques e produzido pela Cooperativa Cultural Trimagisto https://www.trimagisto.pt
Após o espectáculo seguiu-se uma conversa com o ator Carlos Marques, tendo o professor de História, João Simas (ESSF), feito a apresentação dos convidados: Silvina Miranda (filha de Dinis Miranda, preso político do regime de Salazar) e Clemente Alves (preso político e membro do conselho nacional da URAP – União Resistentes Antifascistas Portugueses. O Presidente da Câmara Municipal de Évora, Carlos Pinto de Sá também fez questão de assistir ao espectáculo e cumprimentar os dois resistentes antifascistas.
Uma manhã que incluiu a realização de duas sessões em que os jovens assistiram a um concerto teatral que os despertou para a literatura do escritor José Saramago, nomeadamente para o livro “Levantado do Chão”. Nele, o escritor descreve a vida de três gerações de trabalhadores alentejanos oprimidos pela ditadura fascista e vítimas das injustiças cometidas pelos grandes latifundiários que mandavam na terra e no país, para quem trabalhavam num regime de semi-escravatura. Gradualmente o povo toma consciência, revolta-se e luta por condições mais dignas de vida e trabalho.
Foi também para falar deste sofrimento em que vivia o povo e desta luta que vieram à escola para conversar com os jovens Silvina Miranda e Clemente Alves. Dois portugueses que sofreram directamente na pele, desde muito cedo, as consequências da ditadura. Silvina Miranda falou da vida da sua família, do sofrimento constante com ambos os pais presos – ainda ela e a irmã eram crianças – apenas por ousarem contestar a miséria e exploração laboral de que eram vítimas.
Recordou também as invasões da casa pela PIDE, as visitas às diversas cadeias onde, por vezes, mal reconhecia o pai que era vítima de torturas, da vida em clandestinidade, da discriminação de que era alvo apenas por ser filha de antifascistas, do trabalho diário numa fábrica assim que terminou a 4ª classe e do seu desejo de aprender mais que a levou a estudar à noite.
Clemente Alves foi preso com 18 anos, na véspera do seu casamento. Falou da tortura de que foi alvo na prisão, nomeadamente a do sono, apenas por pensar diferente e por ter a coragem de não denunciar os amigos que pensavam como ele. Por pensar pela sua cabeça e apontar as injustiças, entre elas os salários miseráveis e a fome que os atormentava. Por se revoltar contra as injustiças existentes em Portugal e a falta de futuro para os jovens que com 18 anos eram obrigados a ir para a tropa durante quatro anos, a maioria para a guerra nas colónias portuguesas. Como o irmão dele, que foi para Timor onde enlouqueceu e nunca ultrapassou os traumas da guerra que Salazar mantinha em Africa e na Asia para continuar a oprimir também aqueles povos.
No final, ambos deixaram um apelo aos jovens: “A liberdade nunca é um bem adquirido e se não souberem pensar pela vossa cabeça o fascismo virá, tomará conta das vossas vidas e do vosso futuro. O futuro do nosso país são vocês e esta página negra da nossa história não está ainda contada. Escolas e universidade têm de explicar aos jovens o que foi o fascismo, o mal que causou às pessoas e a necessidade de estar alerta para que as ditaduras não retornem”.
Também o actor Carlos Marques chamou a atenção para o estado de excepção imposto pela pandemia e o grande perigo que corre a democracia: “Em prol de uma doença ou de alterações climáticas, por exemplo, os políticos podem criar estados de excepção que rompem a nossa liberdade e temos de estar atentos”.